sábado, 2 de julho de 2011

Luto

Faz frio lá fora. O reino abandonado ganhou vida, me sufocando. Não quero pena, nem atenção, só relatar o que se passa dentro de mim, que talvez possa ser útil para outras pessoas. Na verdade, o frio lá fora não faz diferença, porque esse luto eu carrego dentro de mim, onde quer que eu vá. Sempre o carreguei, não sei por que. As circunstâncias só me fizeram ver essa vida que passa diante dos meus olhos, como o rosto da estrela que não posso tocar, porque minha mão surge de um abismo, tentando se agarrar desesperadamente a qualquer fiapo de esperança. Ela me negou o que eu neguei a mim mesmo, tanto tempo atrás, quando fiz a escolha inconsciente de observar a vida, quando deveria viver ela. E ninguém merece essa escuridão além de mim. Existem cúmplices, mas eles seriam os carcereiros, quando o prisioneiro sou eu. Quando não passava de uma criança aceitei os grilhões que botaram em mim, aqueles que agora enxergo pela primeira vez, ferindo meus pulsos. Eu olho para trás e só enxergo as trevas de uma vida não vivida. Agora eu consigo ver a verdade, toda a hipocrisia e as mentiras, e não me ausento da culpa, porque se existe uma vantagem em observar a vida, ela se dá na forma da sabedoria, que é a capacidade de ler nas entrelinhas. Mas não tive coragem de lutar contra o luto sem fim, queria alguém para fazer isso por mim, talvez um dos super-heróis que tanto admirava. Eventualmente essa guardiã surgiu, primeiro como salvadora, depois como redentora. Ela foi o princípio de tudo, por isso sempre vou amar ela, sendo eu um guardião ausente de agora em diante, protegendo ela da minha escuridão, como deveria ter feito desde o começo. É o preço que devo pagar em troca da liberdade. Porque esse luto é meu e de mais ninguém, portanto guardarei ele comigo, assim como meus pecados. A culpa também é uma prisão. Por um lado, estou me aprisionando mais uma vez, mas por outro nunca me senti tão livre. Eu consigo ver as barras da prisão, aquelas que sempre estiveram ali, e elas estão presentes onde quer que eu vá, porque sou um prisioneiro do luto. Mas todo dia eu luto contra isso; se não por mim, por eles. Éramos três, agora sobrou apenas um. Perdi um para a morte e outro para a vida. E aqui estou eu, entre o céu e o inferno, onde sempre estive. Estou em pé diante do abismo, contendo toda a escuridão que transborda dele, e não posso deixar de defender essa causa. Agora eu sei que devo enfrentar isso sozinho, sem abusar da boa vontade de mais ninguém. Essa luta é minha e de mais ninguém. Afinal, como já diziam os vikings, "o destino é inexorável".

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Como uma pedra



Em uma tarde emaranhada
Em um quarto cheio de vazio
De maneira livre eu confesso
Que estava perdido nas páginas

De um livro cheio de morte
Lendo como morreremos sozinhos
E se formos bons nos deitaremos para descansar
Em qualquer lugar que queiramos ir

Em sua casa anseio ficar
Quarto por quarto
Pacientemente
Vou esperar por você lá
Como uma pedra
Vou esperar por você lá
Sozinho

Em meu leito de morte eu vou rezar
Aos deuses do amor e aos anjos
Como um pagão
Para qualquer um
Que possa me levar ao Paraíso

Para um lugar do qual me lembro
Eu estive lá há tanto tempo
O céu estava ferido
O vinho gotejava
E lá você me conduziu

Em sua casa anseio ficar
Quarto por quarto
Pacientemente
Vou esperar por você lá
Como uma pedra
Vou esperar por você lá
Sozinho
Sozinho

E eu continuei lendo
Até que o dia tivesse terminado
E me sentei em remorso
Por todas as coisas que fiz

Por tudo que abençoei
E por tudo que errei
Nos sonhos
Até minha morte
Vou me questionar

Em sua casa anseio ficar
Quarto por quarto
Pacientemente
Vou esperar por você
Como uma pedra
Vou esperar por você lá
Sozinho
Sozinho

Audioslave

sábado, 25 de junho de 2011

O mistério

"O mistério da história de quem será este? De quem puxa a cortina. Quem é que escolhe nossos passos na dança? Quem nos faz enlouquecer? E nos pune e nos dá a vitória quando sobrevivemos ao impossível? Quem é que faz todas essas coisas? Quem honra aqueles que amamos com a vida que levamos? Quem manda monstros para nos matar e, ao mesmo tempo, diz que nunca vamos morrer? Quem nos ensina o que é autêntico e a rir das mentiras? Quem decide por que vivemos e o que morreremos defendendo? Quem nos acorrenta? E quem guarda a chave que pode nos libertar? É você. Tem todas as armas de que precisa. Agora lute!"

Sucker Punch

quarta-feira, 15 de junho de 2011

A rosa

Nas margens da Estrada do Trovão, enquanto ele faz sua vigia silenciosa no Recanto das Rosas, vejo o homem da meia-noite lentamente tomar forma, alto e todo vestido de negro com seu chápeu em aba, mastigando um capim pelo canto da boca. Em suas mãos, ele segura uma foice pronta para colher o que foi plantado, e ao seu lado está o garotinho, agora sob sua proteção. Mas eu me viro para a outra direção e sigo caminhando sozinho, não para frente e nem para trás; para longe. Eu caminho por não sei quanto tempo, podem ser horas ou dias, não sei dizer. Até que chego numa praia e lá enxergo o céu mais límpido do que nunca. Límpido e ainda vazio. Eu olho para o mar e sua imensidão, tão grande quanto a minha tristeza, então as lágrimas escorrem e não consigo controlá-las mais. Eu penso na rosa e choro. Ela tão sozinha em seu altar, agora inalcançável e sagrada, como uma lembrança constante do que eu perdi. Eu aceito essa penitência com toda a satisfação, porque não me vejo como vitorioso, muito pelo contrário. O homem da meia-noite que cultive suas rosas, mas a penitência é minha e de mais ninguém, portanto faço o que quiser dela. De repente eu vejo que o exército de fantasmas me seguiu, todos eles súditos do reino perdido, aquele onde eu deveria reinar. Então me dou conta que virei um fantasma como eles, que talvez sempre tenha sido, fato que se torna concreto quando eu penso nele. Agora me tornei o rei deles, como sempre deveria ter sido. Por um momento penso em agir contra o homem da meia-noite, retomando nossa guerra eterna, mas vejo que agora ele é mais forte do que eu, principalmente por estar com o garotinho. Agora ele está completo, enquanto eu não tenho mais pelo que lutar. Estou tão cansado. Não há mais o que eu fazer nesse reino ou qualquer outro lugar. Agora eu me sinto preso, enquanto o homem da meia-noite está livre, mais vivo do que nunca. E eu só quero o brilho da minha estrela. Mas no último instante de consciência, quando fecho os olhos antes de finalmente descansar, enxergo a rosa. Ela é a mais vermelha da plantação, o molde de todas as outras. Mas é a única que eu não posso tocar. Me vejo subir, leve como um pluma. Estou chegando tão alto que me sinto mais perto do que nunca da minha estrela. Não sei como, mas sinto uma estranha convicção que verei ela outra vez, nessa vida ou na próxima. Então eu desapareço com um sorriso no rosto.

"Estou chegando, meu amor. Estou chegando."

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Separação

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. Ela o olhava com um olhar intenso onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.
Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar aqueles das mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se multo longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela.
Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias - um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde…

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O último adeus

Enquanto o homem da meia-noite aguarda diante da encruzilhada, eu me preparo para a batalha final, quando preciso me despedir da estrela. Nada mais justo do que tudo acabar onde começou. Por um bom tempo ela ofereceu seu brilho para mim, iluminando meu caminho, todas minhas ações. Ela não podia dar todo seu brilho, mas eu queria mais e mais, tamanho é o meu vazio. Peguei tudo o que podia e exauri seu brilho até que ele não era mais suficiente. Agora eu lembro do rosto dela, sem vida na minha frente, sem nada mais a oferecer. Eu estava vendo ela pela primeira vez em um bom tempo, então tentei esconder o que tinha visto, mas como sempre ela enxergou por dentro da minha armadura, assim como eu consigo ver através da armadura dela. Vejo agora que o que eu vi foi sua queda, caindo por minha causa, e eu não consegui suportar a culpa, por isso mandei ela embora. A culpa e a descoberta de que ela não brilharia mais. Ela estava diante de mim, como esteve tantas outras vezes, mas dentro da armadura não havia mais nada. Ela se tornou um casco vazio e a lembrança do seu brilho tornou insuportável aceitá-la daquela forma. Então comecei a afastar ela de mim de todas as maneiras, ignorando seus apelos, até partir seu coração, sabendo que ela jamais me perdoaria. E quando tentei chamar ela de volta já era tarde demais. Meu único consolo é que longe de mim ela pode brilhar de novo, porque eu não vou estar por perto para roubar o brilho, exigindo toda sua atenção. Dei a ela meu último adeus e fui me juntar ao homem da meia-noite. Eu conhecia seu reino de longe, mas nunca havia entrado nele, tampouco me imaginava no papel de vilão. Era por mim que ele chamava, aquele que o aprisionou tanto tempo atrás, finalmente desmascarado diante dele, caído aos seus pés e implorando por perdão. Mas logo o pedido passa a ser por punição, pelo que fiz a ele e a estrela, qualquer coisa para aplacar minha culpa. Mas a única coisa coisa que ele me oferece é a rosa mais vermelha que eu já vi. Eu fico em pé e pego a rosa com as duas mãos, maravilhado, então vejo toda uma plantação de rosas ainda miúdas, trazendo um pouco de cor àquele mundo tão negro. Muito pouco para um reino, mas melhor do que nada. Dou um beijo na rosa, aquele que nunca pude dar na estrela, e respeitosamente coloco ela num altar. Agora tenho uma cabana no reino despedaçado e a única coisa dentro dele é a rosa no altar. Do lado de fora está o homem da meia-noite, cuidando das rosas miúdas, finalmente achando uma razão para existir. O garotinho observa a estrada e faz companhia aos fantasmas. Quanto a mim, passo todas as noites observando o céu, procurando minha estrela. Mas toda noite vejo um céu negro e sem vida. Toda noite dou meu último adeus.

"Adeus, meu amor. Desculpa."

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O fim

Ele está parado em pé, lá na terra de ninguém, o homem da meia-noite, rodeado por fantasmas. A terra suja irrita seus pés nus, porque ele não trouxe nada consigo. Não, ele não. Não o homem da meia-noite, aquele que se ergue quando não há mais nada entre uma pessoa e o abismo, tendo apenas os punhos como armas, nada além do que ele precisa. O homem da meia-noite pega um punhado de terra com a mão e a deixa escapar entre os dedos. Então tudo volta, a razão de ele estar ali, que tanto tem a ver com seu nascimento. Ele lembra do calabouço, do sorriso do outro, tão vil. Mas logo veio a queda, o abismo e o labirinto. Então foi coroado rei, sem ter onde reinar. O rei das ruínas, todos se ajoelhem perante o rei! Mas seus súditos são todos fantasmas, criados por ele mesmo em sua mente doentia. O homem da meia-noite não tem virtudes, apenas desejos, fantasias que jamais verão a luz do dia, porque ele só sabe ir em frente. Não há nada dentro dele, naquela camada mais escura, apenas perseverança. Tudo pela missão. Mas sem sempre foi assim. Ele costumava ter uma alma, que agora se fragmentou em diversas partes, espalhadas pelos quatro cantos do reino pedido. Era essa a barganha, fuga em troca de dor, e não havia outra escolha. Não para o homem da meia-noite, tão escondido lá fundo, gritando para ver a luz do dia. Aquela luz que queima, seu toque causando arrepios, tão fria. Tão quente. O homem da meia-noite leva as mãos aos lábios, tentando imaginar o gosto do morango, tão vermelho e tentador. Essa é a cor. Vermelho. Mas ali, nas terras devastadas, não existe cor. Não existe vida. Só existe a estrada e dois caminhos. Um leva para frente, escuro e cheio de desafios, sempre trovejando. O outro é inconstante, hora um vale cheio de vida e hora um campo infértil como todo o resto, uma eterna promessa de algo melhor. Mas ambos são armadilhas. Pelo menos é o que diz a voz que vem de cima, um raio de luz que por um instante afasta os fantasmas. A voz convida o homem da meia-noite a permanecer ali e tentar plantar naquele solo infértil, plantar até nascer alguma coisa, porque essa é a única maneira. Mas o homem da meia-noite lembra do outro, da barganha que trouxe sua liberdade, e da missão que ele jurou cumprir. Não por honra, mas por algo muito mais assustador, que só pode fazer sentido para quem acaba de nascer. Porque ainda não há o que ser visto, não no homem da meia-noite, desprovido de alma. Assim tem início a busca, a demanda pela alma, e a voz começa com suas lições, explicando como expandir a consciência para todos os lugares do reino, sem sequer dar um passo. Logo o homem da meia-noite está em uma caverna, sem saber como foi parar lá, e bem no fundo ele acha um garotinho meio soterrado por pedras. Eles se olham por um breve momento, dois irmãos separados no nascimento, o garotinho ainda vivo apesar de estar sozinho. Com um gesto o homem da meia-noite joga as pedras para longe, descobrindo seus poderes naquele mundo, então eles correm um na direção do outro e se tornam um só mais uma vez. O único abraço que poderia dar consolo aos dois. Assim o homem da meia-noite se torna mais velho, porém ao mesmo tempo mais novo, uma nova e inexplicável criatura naquele mundo tão solitário. De fato, tudo isso já aconteceu, sim, ele lembra agora que voltou ao terreno sem vida, mas agora há uma rosa vermelha em suas mãos, quando antes só havia terra. Uma rosa tão frágil e delicada, indecisa entre desvanecer ou brotar, entre tocar e ser tocada. Por um instante ela parece que vai brotar e o homem da meia-noite observa a coisa acontecer, esperando uma instrução da voz, quem sabe um novo poder que lhe permita preservar a rosa, manter ela intacta até o campo estar fértil. Porém, a rosa começa a tremer, intoxicada pelo ar morto e parado, e então se desfaz nela mesma, virando terra outra vez. Tudo está morto de novo e o homem da meia-noite não tem idéia do que fazer com a rosa quando ela surgir outra vez. Porque ele não tem criatividade, apenas objetivos, sem nenhum método para atingir eles além de seguir em frente. De certa forma, esse é o próprio objetivo, um destino cruel. Mas ele não está sozinho. Agora ele tem o garotinho bem protegido dentro dele, mais seguro do que jamais esteve, a única companhia que os dois precisam. Talvez juntos eles possam encontrar os outros, onde quer que eles estejam, quem quer que eles sejam. Mas o homem da meia-noite só quer saber de um deles, aquele que o aprisionou, porque a rosa o fez lembrar de alguém, uma garotinha de vermelho que certa vez lhe fez um convite. Ela é a principal barganha do outro, por isso está sempre com ele, onde quer que ele esteja. Provavelmente além da Estrada do Trovão. Se dependesse dele, o homem da meia-noite pegaria aquela estrada agora, mas a voz diz o contrário. "Não siga com as pernas um caminho que se pode correr com a mente", diz ela. "E não esqueça dos outros!", completa o garotinho. O homem da meia-noite estaca. Ninguém fala mais nada, os fantasmas silenciam, as vozes se calam. Então ele acha a própria voz: "Então é isso. Aqui é o fim do caminho, onde eu faço minha última batalha, num campo de morte. Aqui é o fim e daqui nunca vou sair. Que ele venha, porque cansei de correr atrás. Que ele venha se quiser me pegar. Então vamos lutar pela última vez". Nada. Nenhuma resposta a não ser um ruído sibilante no ar, quase uma risada, embora possa ser só uma impressão. Os fantasmas se afastam, formando uma roda. É a batalha final, quando aquele mundo deixa de existir. De repente um trovão corta o silêncio e começa a chover. O palco está armado. Não há mais volta.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sem você



Eu irei para as árvores
Lá é onde eu a vi pela última vez
Mas o entardecer lança um pano sobre os campos
E nos caminhos por trás da borda da floresta
E a floresta é tão negra e vazia
Ai de mim, oh ai
E os pássaros não cantam mais

Sem você eu não posso existir
Sem você
Com você eu estou sozinho também
Sem você
Sem você eu conto as horas
Sem você
Com você os segundos param
Eles não valem a pena

Nos galhos e nas valas
Tudo é silencioso e sem vida
E a respiração se torna tão dificil para mim
Ai de mim, oh ai
E os pássaros não cantam mais

Sem você eu não posso existir
Sem você
Com você eu estou sozinho também
Sem você
Sem você eu conto as horas
Sem você
Com você os segundos param
Eles não valem a pena

E a respiração se torna tão dificil para mim
Ai de mim, oh ai
E os pássaros não cantam mais

Sem você eu não posso existir
Sem você
Com você eu estou sozinho também
Sem você
Sem você eu conto as horas
Sem você
Com você os segundos param
Eles não valem a pena
Sem você

Sem você eu não posso existir
Sem você
Com você eu estou sozinho também
Sem você
Sem você eu conto as horas
Sem você
Com você os segundos param
Sem você

Rammstein

quarta-feira, 9 de março de 2011

Encruzilhada

Estou em pé diante de uma bifurcação e não sei por qual caminho seguir. Também não lembro como cheguei nela, simplesmente fechei os olhos no abismo, que me envolvia cada vez mais em sua névoa intoxicante, aquela que atrapalhava meu sono, e quando dei por mim estava nessa encruzilhada. Só que nenhum demônio vai aparecer para propôr um acordo em troca da minha alma. Mas também não sei se eu aceitaria, afinal minha alma é a única coisa que me faz seguir em frente ultimamente, porque estou com o corpo cansado e a mente entorpecida. Eu olho a encruzilhada com os olhos chapados e o coração batendo acelerado, sem nem um pingo de controle sobre mim, totalmente vulnerável. Estou no ponto que mesmo a brisa mais fraca pode me derrubar, qualquer coisinha errada seria como um empurrão num sujeito na corda bamba, e não tenho certeza se há uma rede de segurança embaixo. Eu procuro por rostos conhecidos e só enxergo vultos distorcidos, espectros de dois mundos diferentes entrando em colapso, o antes e o depois. Nada é familar, nada é seguro, e quando dou por mim me vejo na Estrada do Trovão, talvez no começo dela, diante de uma escolha. Não é noite nem dia, mas o céu está escurecido, tapado por um nevóa negra que mais parece fumaça, e vez ou outra, quando eu pisco com força, consigo ver aquela estrada como era antigamente, verdejante e pulsando vida. Porém, agora é um campo sem vida, coberto de fuligem. Eu olho para trás, tentando buscar algum incentivo para seguir em frente, então enxergo a cadeia de montanhas de onde escapei, sem nem saber como fiz isso. No topo dela eu vejo um castelo desmoronado e sou tomado pela súbita compreensão que ali era onde eu deveria reinar, que era esse meu destino, mas não cheguei nele a tempo. Era todo um mundo criado por mim, onde eu viveria em paz ao lado de uma rainha, cercado de crianças e súditos. Campos verdes por todo lado e um sol brilhando ininterruptamente. Mas nunca cheguei a ver a coroa. Agora sou o rei das ruínas, lorde da escuridão, e eu carrego toda essa destruição nas costas, não importa onde eu vá. Estou segurando minha esposa morta nos braços, vejo os corpos dos meus filhos estendidos no chão, soterrados nos escombros. Eu sei que estou em pé diante da Estrada do Trovão, como sempre estive, mas sou assombrado pelo meu fracasso, que tem tanto a ver com a minha soberba. Aqui não existem reis e rainhas. Aqui os sinos não tocam e os passáros não cantam. Estou por conta própria, dando meus primeiros passos, porque não existe outro jeito de aprender a caminhar. Eu sigo sozinho até o limite da encruzilhada, não sei se por destino ou escolha, e no fim de tudo talvez os dois caminhos acabem dando no mesmo lugar. Ou se tornem um só, quando eu sair do luto. Por hora eu não vou mais avançar, antes preciso enterrar minha esposa e meus filhos e dar adeus ao meu reino, o trono de mentiras. Meu império de sujeira. Quem diria que eu estava preso no calabouço do meu próprio castelo arruinado?

sexta-feira, 4 de março de 2011

Coração de pedra

Estou mais acordado do que nunca agora que voltei a dormir. Quando fecho os olhos e estou no limiar dos sonhos, com a mente vazia e totalmente sozinho, eu volto à minha infância. Não em forma de pensamento, mas em sentimento, porque eu consigo lembrar de como é ser livre. De quando eu saía mato adentro, procurando não sei bem o que, talvez eu mesmo, como eu faço agora na floresta de pedra. Então eu percebo que não posso culpar ninguém pela minha solidão, porque desde pequeno sempre tentei buscar meu próprio caminho, sem depender de ninguém. É o que eu faço agora depois de passar muito tempo no calabouço. E não é como se eu fosse encontrar isso em algo ou alguém, essa é uma armadilha na qual todos caem, inclusive eu. Não, eu estou falando em vivenciar coisas diferentes, fora do meu núcleo de valores, o que de certa forma significa conhecer o mundo. Porém, isso não depende da distância que eu percorro, afinal, estou falando de algo dentro de mim, que poderia encontrar até sem sair de casa. Só que não adianta dar a cara a bater sem sair da zona de conforto, onde outros tomam a decisão por nós, e nós, tentando ser utéis, acabamos confundindo o caminho deles com o nosso, quando nem sempre é o caso. Essa pressão sempre vai existir, porque ela existe em todo lugar, seja em casa ou no trabalho. A verdade é que os olhos nunca estiveram sobre mim, mas agora que estão eu sinto essa pressão com o dobro da força, e de certa forma eu quero preencher aquele vazio que ficou, negando a mim mesmo no processo. Porque ainda existe aquele garotinho que mesmo assustado se perde mato adentro, fugindo de qualquer expectativa, sozinho no mundo. O que não é algo ruim, porque nada nem ninguém vai salvá-lo enquanto ele não aprender a conviver com a solidão, como um peregrino em busca de terras intocadas pelo homem. Só que para tanto é necessário desenvolver um coração de pedra, que conserve o calor dentro de si independente do contato humano, porque assim o garotinho pode finalmente virar homem. Um indivíduo capaz de prover a si mesmo sem depender de ninguém. Essa é a liberdade que eu sempre busquei, por mais dolorosa e difícil que ela seja, independente do que e de quem eu precisar abrir mão. Não existe outra escolha nessa altura do jogo. Meu único consolo é que um dia ele vai estar lá, no topo da montanha, sem medo. Pelo menos é a última imagem que me vem à cabeça antes de eu finalmente conseguir dormir.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Insônia

Ando dormindo mal e não sei bem o porquê disso. Sim, minha cabeça está sempre ativa, procurando uma saída do abismo, no caminho de volta do labirinto. Não sei se devo simplesmente procurar a saída do labirinto ou voltar ao abismo, atrás da escadaria, mas acho que uma coisa tem a ver com a outra. A verdade é que não me vejo perto de um nem de outro. Quero voltar, mas não há como, até sei que não é a decisão certa. Porém, não consigo dormir direito, apesar de sentir um cansaço enorme. Nada mais me dá satisfação, quero só ter uma boa noite de sono e voltar à realidade, mas daquele jeito que ainda podemos sonhar, e não essa realidade insone, onde não há esperança. É engraçado como a realidade parece um sonho e o sonho parece a realidade. Quero despertar, mas nada que eu pense ou escreva me dá essa paz, porque só dormir direito pode me dar isso. Só que não consigo, nem mesmo sinto o fogo interno que tantas vezes me ergueu, quando tudo mais parecia perdido. Aquele orgulho de estar no caminho certo, sem precisar de nada ou ninguém, porque eu tinha a mim mesmo. Só que nem todos pensam dessa forma e por algum motivo eu permito que roubem meu fogo. E não culpo ninguém por isso, ninguém além de mim. Acho que permito isso por não saber direito o caminho que devo seguir. Quer dizer, eu até sei de um modo subjetivo, baseado nos padrões da sociedade e do que esperam de mim, mas não sei dizer se esse ainda é o meu caminho. Nem se tenho condições de seguir ele. De qualquer forma, se perder na vida também envolve uma certa coragem, mas ao mesmo tempo cada dia até você se encontrar é mais assustador que o outro, até porque não sei se eu vou conseguir fazer isso. Não tenho idéias ou sentimentos novos que possam me botar no caminho certo. Muito pelo contrário, tudo parece velho e desbotado, idéias e paradoxos que se repetem. Preciso de um fator novo na vida, porque as experiências atuais já se exauriram, mas para tanto preciso voltar a dormir. Do contrário simplesmente vou deixar que roubem meu fogo como eu fiz por toda a minha vida.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Labirinto

Hoje vou tentar algo diferente. Geralmente escrevo quando faço alguma descoberta ou tenho um insight, depois de conseguir botar meus pensamentos em ordem, mas ultimamente não ando muito inspirado. Nem animado para ser bem sincero. Outra coisa que faço seguidamente é demonstrar força e indignação. Porém, não é o que eu quero agora, nem como me sinto. Porque estar no abismo também tem disso, às vezes pensamos ter achado uma saída, então algo acontece e voltamos à estaca zero. Eu simplesmente nunca escrevo nessas circunstâncias, porque prefiro a subida do que a descida, quando tudo que parecia certo vira de cabeça para baixo. De certa forma é como um labirinto, uma sucessão de erros e acertos que podem ou não levar até a saída, e muitas vezes seguimos muito tempo por um caminho que parece certo, portanto o choque pode ser enorme quando ele não dá em nada. Aí é todo um esforço para achar o caminho de volta. E nesse meio tempo não existe muita esperança, porque até encontrar o trecho onde as coisas deram errado tudo parece apenas uma repetição, como um filme que você já viu passando dentro da sua cabeça, mostrando todos os seus erros e fraquezas. Nem mesmo relaxar ajuda, porque não é questão de achar uma resposta dentro de si, não nesse momento. Isso é válido só até certo ponto, afinal, ter consciência das coisas tem seu limite de utilidade, até porque nem sempre descobrimos coisas boas. Às vezes simplesmente tomamos consciência de coisas que parecem impossíveis de mudar. É verdade que eu avancei muitas léguas desde o calabouço, mas à medida que eu avanço o fim do caminho parece mais próximo, e não me refiro a uma saída, estou falando de simplesmente não ter mais forças para continuar. É a dor das oportunidades desperdiçadas, das vezes que eu achei ter encontrado uma saída, quando era só um desvio do caminho certo. Eu estava em pé, pelo menos achava estar, mas não provei isso quando a oportunidade se apresentou. Outra vez tive a chance de agir feito homem e baixei a cabeça, voltando a ser o garotinho assustado, mas agora não existe ninguém além de mim para mostrar outro caminho. Por um lado isso é bom, porque até agora não foi o caminho certo, e agora tenho chance de achar ele por conta própria. Não quero o favor de ninguém para sair do abismo, nem é o que eu preciso, portanto dispenso esse tipo de ajuda. Simplesmente já tive demais dela. Mas não adianta só escrever e não fazer nada quando a chance se apresenta, né?

Ela

"Ela é mais que um sorriso tímido de canto de boca, dos que você sabe que ela soube o que você quis dizer. Ela fala com o coração e sabe que o amor não é qualquer um que consegue ter. Ela é a sensibilidade de alguém que não entende o que veio fazer nessa vida, mas vive.

Ela tem muita dúvida como todos têm. Mas nem todos sabem a beleza de saber lidar com a tristeza. Ela sabe. Ela ouve a música que seu coração pede e modela seu ritmo ao seu estado de espírito. Ela dança a coreografia de seus sentimentos, e todos podem ver.

Ela é um pote de cristal, tão transparente quanto, tão rico quanto. Mas um cristal que não sabe seu real valor, um achado no meio de tantos outros pobres potes que são apenas de vidro. Estes se quebram e são varridos como um objeto qualquer. Mas ela não, se ela quebra, é a tristeza de um cristal que se foi. E todos sentem.

Por um instante estive com esse cristal bem perto. Hoje sei a falta que ele faz, e embora alguns digam 'tanto faz', eu digo que te amo."

Caio F. Abreu

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Continue meu filho desobediente



Continue meu filho desobediente
Haverá paz quando você tiver terminado
Deite sua cabeça cansada para descansar
Não chore mais

Eu me levantei acima do barulho e da confusão
Para dar uma espiada além desta ilusão
Eu estava voando cada vez mais alto
Mas eu voei alto demais

Embora meus olhos pudessem ver eu era ainda um homem cego
Embora minha mente pudesse pensar eu era ainda um homem louco
Eu ouço as vozes quando estou sonhando
Eu posso ouvi-las dizer

Continue meu filho desobediente
Haverá paz quando você tiver terminado
Deite sua cabeça cansada para descansar
Não chore mais

Mascarado como um homem com uma razão
Minha charada é o evento da estação
E se eu reivindicar ser um homem sábio
Significa certamente que eu não sei

Em um mar em tempestade de emoção movente
Sou lançado como um navio no oceano
Eu ajustei um curso para ventos da fortuna
Mas eu ouço as vozes dizerem

Continue meu filho desobediente
Haverá paz quando você tiver terminado
Deite sua cabeça cansada para descansar
Não chore mais

Continue, você recordará sempre
Continue, nada se iguala ao esplendor
Agora sua vida já não é mais vazia
Certamente o céu o espera

Continue meu filho desobediente
Haverá paz quando você estiver terminado
Deite sua cabeça cansada para descansar
Não chore
Não chore mais

Não mais

Karry Livgren - Kansas

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Por trás dos olhos azuis



Ninguém sabe como é
Ser o vilão
Ser o homem triste
Por trás dos olhos azuis

Ninguém sabe como é
Ser odiado
Ser fadado
A contar só mentiras

Mas os meus sonhos
Não são tão vazios
Quanto a minha consciência parece ser

Eu passo horas totalmente sozinho
Meu amor é vingança
Que nunca está livre

Ninguém sabe como é
Sentir esses sentimentos
Como eu sinto
E eu culpo você

Ninguém reprime tanto a raiva
Nem um pouco da minha dor e angústia
Podem aparecer

Mas os meus sonhos
Não são tão vazios
Quanto a minha consciência parece ser

Eu passo horas totalmente sozinho
Meu amor é vingança
Que nunca está livre

Quando meus punhos se fecharem, force-os a abrir
Antes que eu os use e perca a calma
Quando eu sorrir, me conte notícias ruins
Antes que eu ria e aja como um idiota

E se eu engolir alguma coisa maligna
Coloque o dedo dentro da minha garganta
E se eu tremer, por favor me dê um cobertor
Me aqueça, deixe eu vestir seu casaco

Ninguém sabe como é
Ser o vilão
Ser o homem triste
Por trás dos olhos azuis

Peter Townshend - The Who

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Abismo

Durante a minha caminhada no túnel sem fim, aquele que só existe na minha cabeça, acabei topando com um abismo, outro produto da minha imaginação. Ou será que não? Mais uma vez sonho e realidade se misturam, tudo isso enquanto ouço Beethoven, leio Nietzche e penso na minha estrela. Assim começa a chuva e trovões iluminam meu caminho, então eu vejo o abismo diante de mim, e tudo o que vem além dele, o céu aberto e uma cidade iluminada. Finalmente enxergo o céu, mas não há estrelas nele, nem lua ou sol. O céu é pura escuridão, assim como o abismo, e dele só brota chuva, como se fossem as lágrimas que não produzo mais, enquanto os trovões nada mais são do que o caos, aquele que tomou posse da minha alma. Sem opção, chego na beirada do abismo e enxergo a mim mesmo, sozinho. Olha para o céu e não enxergo minha estrela guia, ela que fora tão bela, agora presa dentro de mim, uma promessa inócua de recompensa. Não sei por onde seguir, pois tenho medo do abismo que olha de volta para mim, mas a cidade do outro lado não me parece tão promissora assim, não nessa região tão escura. Olho para trás e vejo o calabouço ainda no mesmo lugar, como se eu não tivesse avançado um só passo desde que escapei, o que não deixa de fazer sentido, visto que a liberdade chegou como uma queda. E sendo assim, não tenho escolha além de descer o abismo, porque não posso mais voltar atrás, mesmo que eu queira. Ele está lá e preciso aceitar isso, como da última vez que aceitei a escuridão, ainda que daquela vez não estivesse sozinho e o abismo não fosse tão grande. Mas enquanto vou descendo eu percebo que o abismo não é tão grande assim; de fato, ele diminui a cada degrau. Sim, ele tem degraus, vejo isso agora. Vejo uma escadaria que sempre esteve me esperando, encoberta pela névoa, e assim o cenário vai mudando de forma, pois sempre existiu alguém no controle desse mundo. E esse alguém sou eu. Vou chegando no final do abismo e a névoa começa a se dissipar, assim como a chuva, os trovões e tudo mais. Quando atingo o fim do abismo, além da névoa, eu olho para o céu e vejo o sol, a lua e milhares de estrelas. Então eu corro até o outro lado, querendo ver a cidade iluminada, mas não há degraus para subir. Ainda não. Frustrado, decido explorar o abismo, e mesmo profundamente ferido fico fascinado por suas excentricidades e maravilhas, suas faces distintas. De um lado da névoa existe o nada, do outro surge a promessa de tudo, e no meio daquela indecisão estou eu, tão no limbo quanto antes. Mas talvez eu precise aceitar o limbo, o tudo e o nada, o bom e o ruim. Todo o resto é sonho e falsidade. A verdade é que sempre vou lembrar de tudo, dos momentos que tive a estrela toda para mim, ainda que me tenha sido negado capturar ela, e também de quando a perdi, porque o brilho dentro de mim era intenso demais. Lembro da minha fuga e da queda, do abismo e suas promessas, que por fim me colocam de volta na Estrada do Trovão. Me sinto livre outra vez e faço de novo o convite para me acompanharem nessa viagem, onde podemos moldar nossos sonhos a qualquer momento, e quem sabe criar uma escadaria para o outro lado do abismo, em algum lugar além do arco-íris. Porque, como diz a música, "é lá que nossos sonhos se realizam". Até lá sigo explorando o abismo, atrás de outra escadaria, porque sua existência só depende de mim. Mas tem vezes que o melhor a fazer é encarar o abismo, nem que seja para procurar uma saída da escuridão.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Minha amada imortal



"Quando estou deitado no leito volto meus pensamentos para ti. Minha amada imortal. Alguns alegres, outros tristes, aguardando para ver se o destino nos escutará. Só posso viver plenamente contigo, ou não viverei. Sim, é como deve ser. Agora tenho de dormir. Tenha calma, amor. Hoje, ontem, anseio até as lágrimas por ti. Você. Você é minha vida. Meu tudo. Agora me despeço. Continue me amando. Sempre teu. Sempre minha. Para sempre."

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Estrela cadente

Quando eu olho para o céu durante a noite, procurando uma estrela, a minha estrela, sinto todo o peso da minha solidão. Já sei qual é o mal que me aflige e ele nada tem a ver com calabouços e terras prometidas, mas com a ausência da minha estrela, que não encontrei essa noite e nunca mais vou encontrar. Minha doce estrela. As coisas não saíram como planejei essa noite, assim como não saíram com a estrela, e quando olhei para o céu procurei seu brilho por todo lado, aquele riso que contagia o meu. Não estava lá. Perdi minha estrela e para trás ela deixou sonhos despedaçados, um coração partido. Por um instante, mínimo, quase inexistente, ela refletiu sua luz em mim, e fascinado, tentei capturá-la para mim. No entanto, só o que roubei foi seu brilho, privando ela do meu. Ela apagou, não está mais no céu, pois agora se alojou em mim, eterna. Agora ela está sozinha, sem o meu brilho e o dela. Uma estrela cadente. Contudo, nunca a achei tão bela e tão trágica quanto agora, durante a queda. Mas a queda é minha, não dela, assim como o brilho é meu, não dela. Eu capturei seu brilho, e dele surgiu o meu, então ela caiu para dentro de mim, por isso deixou o céu. É o destino de toda estrela cair, nem que seja para outra tomar seu lugar e ser o objeto da adoração de outra pessoa. Agora não sinto mais falta da estrela, porque ela sou eu e minha solidão nada mais é do que o anseio de ser adorado, e assim cair. Minha estrela passou a habitar o solo, e eu enxergo ela aqui de cima como um guardião, esperando ela olhar de volta. Mas cada dia que passa ela se mais afasta de mim e eu subo cada vez mais, inatingível. É seguro aqui em cima, sereno. Agora posso entender como ela se sentia, tão tranquila, mas também tão assustadoramente só. Foi minha adoração que a libertou, então todo o meu esforço de brilhar mais forte que qualquer estrela já brilhou foi recompensado, mesmo que fazendo isso tenha afastado ela de mim. Mas o destino das estrelas é brilhar e cair. Talvez exista uma regra que uma estrela não possa adorar outra, pois assim elas ficariam eternamente no céu, sozinhas. O único jeito de duas estrelas se adorarem é depois da queda, afinal, só cabe uma estrela nesse céu, quando o solo é repleto de estrelas cadentes. Toda noite alguém faz um desejo para uma estrela cadente, torcendo que seja ela a nos encontrar, ou no mínimo libertar. Eu encontrei minha estrela, então brilhei com toda intensidade para conquistá-la, e assim ela caiu, portanto quero ir atrás dela, porque ela também é minha estrela cadente. Vou viver na expectativa de que ela veja toda a intensidade do meu brilho, guardando ele dentro de mim, porque é o tipo de coisa que só se encontra procurando, quando se quer encontrar. O destino de toda estrela é brilhar, assim como o destino de uma estrela cadente é ser encontrada, quando ela quer ser descoberta. Do contrário ela nunca foi uma estrela desde o começo.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Fadado

Estou em reclusão já faz alguns dias, ou pelo menos tentando estar, porque nesse período continuo saindo como se nada estivesse acontecendo. Na verdade, estou falando de uma reclusão emocional, seja lá o que isso significa. Não sei se é a decisão certa, como não tenho mais certeza de qualquer decisão que tomei nos últimos tempos, nem mesmo de rever minhas resoluções, quando a verdade é que ando bem confuso. O que por um lado é bom, bem próprio de um blog que fala de sonhos, então talvez eu não esteja tão confuso assim. Sei da contradição que é estar em reclusão e ainda assim tentar manter as aparências, por outro lado, me sinto sozinho como talvez nunca tenha me sentido antes. Penso e sinto coisas que tenho receio de compartilhar, usando de meias palavras e dissimulação para esconder o que se passa dentro de mim, que nem eu mesmo entendo direito. Uma das idéias que tenho medo de compartilhar, talvez por estar apavorado com a possibilidade de ela ser verdadeira, é a de estar fadado. Eu olho para o passado diariamente, tentando me apegar a uma época mais simples, antes da perda que sofri, e também nos primeiros meses depois dela, quando o calabouço não era algo concreto. Aquela era a pessoa que eu queria ser, forte e otimista mesmo diante da adversidade, admirado por todos. Porém, à medida que passei a me sentir incompreendido pelos outros e parei de compartilhar o que estava na minha cabeça, comecei a sentir as paredes de um calabouço literal se fechando em volta de mim. Então sonhei com a possibilidade de escapatória até destruir as paredes do calabouço, chegando no fundo daquele poço profundo que chamo de limbo, onde sonho e realidade se misturam. Tudo parece mortalmente falso e ao mesmo tempo mais real do que nunca, um sonho que virou pesadelo, onde o passado é minha única companhia, porque o presente é cruel e o futuro uma escuridão completa. Eu avanço aos tropeços por um túnel lamaçento que parece não ter fim, porque não enxergo luz no fim desse túnel, apenas lá no começo, antes de abrir os olhos e me encontrar no calabouço, como se todo o resto fosse um sonho. Me pergunto se ainda estou no calabouço, sonhando com um túnel sem fim, ou se estou caído no meio do túnel, sonhando em voltar ao calabouço. Ou quem sabe esse pensamento não é um pesadelo disfarçado de sonho, dizendo que pode existir uma saída mais fácil se eu voltar ao calabouço, provavelmente uma subida ao invés de uma descida. Mas agora não sei se esse calabouço é real, se cometi algum crime para estar nele, ou se mesmo ele não é obra da minha imaginação. Talvez eu sempre estive no túnel e nunca houve um calabouço, o que pode indicar que o túnel também não seja real, que seja só uma estrada ou várias delas, e eu só não saiba que caminho seguir. Mas o caminho que eu quero mesmo seguir é o da Estrada do Trovão, ir até lá acompanhado de uma mulher e não vão voltar mais, tendo só ela e a estrada como companhia. Viver sem rumo. Sem destino. Agora já misturei três sonhos numa coisa só e todos parecem mais verdadeiros que a realidade, quando na verdade estão deixando de ser, porque cada dia tomo mais consciência de tudo ao meu redor, e descobri que não gosto muito dessa realidade, que estou tão no limbo aqui quanto no túnel. Me pergunto a quanto tempo estou nele, porque toda minha vida me senti no limbo, lutando para ficar em pé. Lembro dos meus tempos no colégio tentando correr como os outros até tropeçar e cair. É como eu me sinto agora, como sempre me senti, mas dessa vez não quero ninguém olhando a minha queda. Quero que lembrem de mim erguendo o rosto ferido e tentando ficar em pé. Penso que esse pode ser o meu destino, que estou fadado a essa repetição, preso no limbo. Mas entre sonho e realidade o que eu quero é voltar a ser eu mesmo, quando achei ter me encontrado, antes de entrar no calabouço. Antes de cair no túnel. Quando a vida não parecia um pesadelo, onde nada era predeterminado e a Estrada do Trovão se estendia diante de mim, cheia de aventuras e descobertas. Mas cada vez mais percebo que um homem não pode fugir de seu destino. Nesse caso, talvez o melhor realmente seja sonhar com a Estrada do Trovão, nem que seja para se iludir.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Do fundo do meu coração



Fogo no curral em uma noite de verão
Todas as minhas coisas estão lá dentro
A fumaça negra sobe, queimando cada vez mais

Sinto o cheiro de folhas e pneus queimados
Os cachorros nas pradarias não param de latir
Um pássaro negro alça voo, me diga o que você fez

Não estou bêbado e não estou triste
Não tem nada lá dentro que eu queira de volta
Me deixe tocar seus lábios, me deixe ver onde você está

Você se pergunta como eu estou?
Então não perca tempo olhando nos meus olhos
Nem toda lágrima significa que você vai chorar

Do fundo do meu coração
Surge um sentimento ruim
Não há nada além de poeira
Nas camadas que eu estou descamando

Do fundo do meu coração
Bate um tambor agitado
Surgindo das profundezas
E chegando aos raios do sol

Sob esmagadores céus cinzentos
Paralisado com dores fantasmas
Antes deste quarto virar apenas um lugar

Onde eu dormi por dias intermináveis
Tecendo teias e gravando nomes
Onde pensamentos se partiam, explodindo no espaço

Mas uma vez eu andei um quarto de uma milha
Através de piscinas negras de arame farpado
E cortei o metal com a ponta de um alicate

Cantando rapsódias durante as passadas
Obstinado e engrandecido
Minha hora chegou, "quem você está enganando e por quê"?

Do fundo do meu coração
Surge um sentimento ruim
Há morte eminente
Na promessa que eu estou mantendo

Do fundo do meu coração
Surge um exército de um homem só
Subindo os degraus
E chegando aos raios do sol

Pálido e com os olhos vazios
Enterrado sob céus rompidos
Nem todo sorriso significa que eu estou rindo por dentro
Com duas-caras e comprometido
Eu lhe envolvi com mentiras
Tudo significa nada e esta noite tudo é meu

Do fundo do meu coração
Surge um sentimento ruim
Eu enterrei tantas coisas
Nas camadas que eu estou descamando

Do fundo do meu coração
Uma batalha irá surgir
Subindo os degraus
E chegando aos raios do sol

Do fundo do meu coração
Surge um sentimento ruim
Amarrado com firmeza
Sem sinal de ir embora

Do fundo do meu coração
Uma balada é cantada
Ela surge como um sussurro
Para os raios do sol

Jakob Dylan - The Wallflowers

sábado, 22 de janeiro de 2011

A queda

Quando encontrei a liberdade achei ter escapado de um calabouço, mas descobri que na verdade aqueles grilhões me mantinham longe do abismo, porque desde então sinto que mergulhei em queda livre. Não sinto dor ou tristeza, mas é como se tivesse caído com a cara na merda, diferente do sol que imaginei por tanto tempo, aquele que fitaria com olhos marejados. Estou livre sim, porém, agora preciso fazer todo o caminho de volta à superfície, e não existe dignidade em sair da merda. Abusei da boa vontade alheia, procurando uma mão amiga para me tirar do buraco, vejam só. Essa mão apareceu, não pensem que culpo os outros, acho até que recebi diversas luzes no caminho. Mas simplesmente não dei valor a elas, talvez porque não ofereciam a salvação e o consolo que eu esperava, diabos, que eu merecia! Aí, meu amigo, está o verdadeiro motivo da minha queda, e provavelmente do meu encarceramento também. A soberba. Claro que eu não poderia encontrar o sol com tanta facilidade, sem fazer nenhum esforço além de esperar, isso era nada mais do que um sonho. E para tornar esse sonho realidade acabei afastando e machucando as pessoas que mais valorizo, como sempre soube que faria, porque não dava ouvidos ao que elas diziam. O sonho era melhor, mais fácil, e foi o que me deu forças para escapar, mas a realidade é bem diferente, né? A verdade é que no meu ímpeto eu acabei escapando antes de saber ficar em pé, por isso a minha queda e tudo que veio depois, quando me afoguei na minha própria merda, tentando trazer os outros comigo. Hoje, depois de muito esforço, consegui ficar em pé pela primeira vez em muito tempo, talvez na minha vida inteira. Não sei por quanto tempo vou aguentar, nem se vou conseguir levantar outra vez caso eu caia, mas hoje pretendo comemorar essa pequena vitória. E seguir as luzes que me apontam ao invés de amaldiçoar elas.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Uma história de amor impossível

Conta a lenda que uma jovem mariposa - de corpo frágil e alma sensível - voava ao sabor do vento certa tarde, quando viu uma estrela muito brilhante, e se apaixonou.
Excitadíssima, voltou imediatamente para casa, louca para contar à mãe que havia descoberto o que era o amor.
- Que bobagem! - foi a resposta fria que escutou. - As estrelas não foram feitas para que as mariposas possam voar em torno delas. Procure um poste ou um abajur, e se apaixone por algo assim; para isso nós fomos criadas.
Decepcionada, a mariposa resolveu simplesmente ignorar o comentário da mãe, e permitiu-se ficar de novo alegre com a sua descoberta.
- Que maravilha poder sonhar! - pensava. Na noite seguinte, a estrela continuava no mesmo lugar, e ela decidiu que iria subir até o céu, voar em torno daquela luz radiante, e demonstrar seu amor.
Foi muito difícil ir além da altura com a qual estava acostumada, mas conseguiu subir alguns metros acima do seu vôo normal.
Entendeu que, se cada dia progredisse um pouquinho, iria terminar chegando na estrela, então armou-se de paciência e começou a tentar vencer a distância que a separava de seu amor.
Esperava com ansiedade que a noite descesse, e quando via os primeiros raios da estrela, batia ansiosamente suas asas em direção ao firmamento.
Sua mãe ficava cada vez mais furiosa: - Estou muito decepcionada com a minha filha - dizia. - Todas as suas irmãs, primas e sobrinhas já têm lindas queimaduras nas asas, provocadas por lâmpadas! Só o calor de uma lâmpada é capaz de aquecer o coração de uma mariposa; você devia deixar de lado estes sonhos inúteis, e arranjar um amor que possa atingir.
A jovem mariposa, irritada porque ninguém respeitava o que sentia, resolveu sair de casa.
Mas, no fundo - como, aliás, sempre acontece- ficou marcada pelas palavras da mãe, e achou que ela tinha razão.
Por algum tempo, tentou esquecer a estrela e apaixonar-se pela luz dos abajures de casas suntuosas, pelas luminárias que mostravam as cores de quadros magníficos, pelo fogo das velas que queimavam nas mais belas catedrais do mundo.
Mas seu coração não conseguia esquecer a estrela, e, depois de ver que a vida sem o seu verdadeiro amor não tinha sentido, resolveu retomar sua caminhada em direção ao céu.
Noite após noite, tentava voar o mais alto possível, mas quando a manhã chegava, estava com o corpo gelado e a alma mergulhada na tristeza.
Entretanto, à medida que ia ficando mais velha, passou a prestar atenção em tudo que via à sua volta. Lá do alto, podia enxergar as cidades cheias de luzes, onde provavelmente suas primas, irmãs e sobrinhas já tinham encontrado um amor.
Via as montanhas geladas, os oceanos com ondas gigantescas,as nuvens que mudavam de forma a cada minuto. A mariposa começou a amar cada vez mais sua estrela, porque era ela quem a empurrava para ver um mundo tão rico e tão lindo.
Muito tempo se passou, e um belo dia ela resolveu voltar à sua casa. Foi então que soube pelos vizinhos que sua mãe, suas irmãs, primas e sobrinhas, e todas as mariposas que havia conhecido já tinham morrido queimadas nas lâmpadas e nas chamas das velas, destruídas pelo amor que julgavam fácil.
A mariposa, embora jamais tenha conseguido chegar à sua estrela, viveu muitos anos ainda, descobrindo toda noite algo diferente e interessante.
E compreendendo que, às vezes, os amores impossíveis trazem muito mais alegrias e benefícios que aqueles que estão ao alcance de nossas mãos.

Paulo Coelho

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Convite

Bem-vindos ao meu novo blog. Vocês devem estar se perguntando o porquê do nome "Estrada do Trovão", certo? Bom, é uma referência a uma das minhas músicas favoritas, "Thunder Road", do Bruce Springsteen. E segundo descrição do próprio "The Boss", fala de um convite para ir a algum lugar, não se sabe exatamente para onde, mas para chegar nele é preciso pegar essa tal estrada do trovão. A letra fala de um casal que se aproximou pelas circunstâncias e uma oportunidade perdida, de arrependimento, e ao mesmo tempo reforça esse convite, insistindo que nunca é tarde demais para descobrir algo novo. Talvez não seja algo essencialmente verdadeiro, mas a única chance de descobrir isso é se arriscando, né? Porque talvez o que existe agora não seja tão real assim também. A verdade é que nada na vida é real para sempre, e quando isso muda, não adianta mais insistir num sonho que já não existe mais. Quando isso acontece talvez seja a hora de começar um novo sonho, dar uma chance aquela sensação que ainda não sabemos explicar direito, porque pode estar ali um sonho melhor, mais real e verdadeiro. Ou um sonho que no futuro se mostre tão imperfeito quanto o atual. Nunca se sabe nesses casos. A única coisa que não podemos fazer é deixar de sonhar.

Topam embarcar comigo nessa viagem?