quarta-feira, 9 de março de 2011

Encruzilhada

Estou em pé diante de uma bifurcação e não sei por qual caminho seguir. Também não lembro como cheguei nela, simplesmente fechei os olhos no abismo, que me envolvia cada vez mais em sua névoa intoxicante, aquela que atrapalhava meu sono, e quando dei por mim estava nessa encruzilhada. Só que nenhum demônio vai aparecer para propôr um acordo em troca da minha alma. Mas também não sei se eu aceitaria, afinal minha alma é a única coisa que me faz seguir em frente ultimamente, porque estou com o corpo cansado e a mente entorpecida. Eu olho a encruzilhada com os olhos chapados e o coração batendo acelerado, sem nem um pingo de controle sobre mim, totalmente vulnerável. Estou no ponto que mesmo a brisa mais fraca pode me derrubar, qualquer coisinha errada seria como um empurrão num sujeito na corda bamba, e não tenho certeza se há uma rede de segurança embaixo. Eu procuro por rostos conhecidos e só enxergo vultos distorcidos, espectros de dois mundos diferentes entrando em colapso, o antes e o depois. Nada é familar, nada é seguro, e quando dou por mim me vejo na Estrada do Trovão, talvez no começo dela, diante de uma escolha. Não é noite nem dia, mas o céu está escurecido, tapado por um nevóa negra que mais parece fumaça, e vez ou outra, quando eu pisco com força, consigo ver aquela estrada como era antigamente, verdejante e pulsando vida. Porém, agora é um campo sem vida, coberto de fuligem. Eu olho para trás, tentando buscar algum incentivo para seguir em frente, então enxergo a cadeia de montanhas de onde escapei, sem nem saber como fiz isso. No topo dela eu vejo um castelo desmoronado e sou tomado pela súbita compreensão que ali era onde eu deveria reinar, que era esse meu destino, mas não cheguei nele a tempo. Era todo um mundo criado por mim, onde eu viveria em paz ao lado de uma rainha, cercado de crianças e súditos. Campos verdes por todo lado e um sol brilhando ininterruptamente. Mas nunca cheguei a ver a coroa. Agora sou o rei das ruínas, lorde da escuridão, e eu carrego toda essa destruição nas costas, não importa onde eu vá. Estou segurando minha esposa morta nos braços, vejo os corpos dos meus filhos estendidos no chão, soterrados nos escombros. Eu sei que estou em pé diante da Estrada do Trovão, como sempre estive, mas sou assombrado pelo meu fracasso, que tem tanto a ver com a minha soberba. Aqui não existem reis e rainhas. Aqui os sinos não tocam e os passáros não cantam. Estou por conta própria, dando meus primeiros passos, porque não existe outro jeito de aprender a caminhar. Eu sigo sozinho até o limite da encruzilhada, não sei se por destino ou escolha, e no fim de tudo talvez os dois caminhos acabem dando no mesmo lugar. Ou se tornem um só, quando eu sair do luto. Por hora eu não vou mais avançar, antes preciso enterrar minha esposa e meus filhos e dar adeus ao meu reino, o trono de mentiras. Meu império de sujeira. Quem diria que eu estava preso no calabouço do meu próprio castelo arruinado?

3 comentários:

Diário De Um Dedinho disse...

"Tudo tem começo e meio. O fim só existe para quem não percebe o recomeço."
Luiz Gasparetto

Espero que um dia você queira e acredite que possa recomeçar. Mesmo não sabendo quantos passos irá conseguir dar...
Beijos

Brizola disse...

Está sendo muito interessante voltar a ler algumas coisas. Por vezes, é como se o autor me fosse desconhecido, ou como rever um velho amigo.

Obrigado por isso!

Diário De Um Dedinho disse...

É que por enquanto a metarmofose de mim em mim mesma não faz sentido. É uma metamorfose em que eu perco tudo o que tinha, e o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com seus planetas e baratas.
Clarice Lispector

E COMO DISSE NOSSO SAUDOSO RAUL SEIXAS:
"Quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo..."