domingo, 13 de fevereiro de 2011

Abismo

Durante a minha caminhada no túnel sem fim, aquele que só existe na minha cabeça, acabei topando com um abismo, outro produto da minha imaginação. Ou será que não? Mais uma vez sonho e realidade se misturam, tudo isso enquanto ouço Beethoven, leio Nietzche e penso na minha estrela. Assim começa a chuva e trovões iluminam meu caminho, então eu vejo o abismo diante de mim, e tudo o que vem além dele, o céu aberto e uma cidade iluminada. Finalmente enxergo o céu, mas não há estrelas nele, nem lua ou sol. O céu é pura escuridão, assim como o abismo, e dele só brota chuva, como se fossem as lágrimas que não produzo mais, enquanto os trovões nada mais são do que o caos, aquele que tomou posse da minha alma. Sem opção, chego na beirada do abismo e enxergo a mim mesmo, sozinho. Olha para o céu e não enxergo minha estrela guia, ela que fora tão bela, agora presa dentro de mim, uma promessa inócua de recompensa. Não sei por onde seguir, pois tenho medo do abismo que olha de volta para mim, mas a cidade do outro lado não me parece tão promissora assim, não nessa região tão escura. Olho para trás e vejo o calabouço ainda no mesmo lugar, como se eu não tivesse avançado um só passo desde que escapei, o que não deixa de fazer sentido, visto que a liberdade chegou como uma queda. E sendo assim, não tenho escolha além de descer o abismo, porque não posso mais voltar atrás, mesmo que eu queira. Ele está lá e preciso aceitar isso, como da última vez que aceitei a escuridão, ainda que daquela vez não estivesse sozinho e o abismo não fosse tão grande. Mas enquanto vou descendo eu percebo que o abismo não é tão grande assim; de fato, ele diminui a cada degrau. Sim, ele tem degraus, vejo isso agora. Vejo uma escadaria que sempre esteve me esperando, encoberta pela névoa, e assim o cenário vai mudando de forma, pois sempre existiu alguém no controle desse mundo. E esse alguém sou eu. Vou chegando no final do abismo e a névoa começa a se dissipar, assim como a chuva, os trovões e tudo mais. Quando atingo o fim do abismo, além da névoa, eu olho para o céu e vejo o sol, a lua e milhares de estrelas. Então eu corro até o outro lado, querendo ver a cidade iluminada, mas não há degraus para subir. Ainda não. Frustrado, decido explorar o abismo, e mesmo profundamente ferido fico fascinado por suas excentricidades e maravilhas, suas faces distintas. De um lado da névoa existe o nada, do outro surge a promessa de tudo, e no meio daquela indecisão estou eu, tão no limbo quanto antes. Mas talvez eu precise aceitar o limbo, o tudo e o nada, o bom e o ruim. Todo o resto é sonho e falsidade. A verdade é que sempre vou lembrar de tudo, dos momentos que tive a estrela toda para mim, ainda que me tenha sido negado capturar ela, e também de quando a perdi, porque o brilho dentro de mim era intenso demais. Lembro da minha fuga e da queda, do abismo e suas promessas, que por fim me colocam de volta na Estrada do Trovão. Me sinto livre outra vez e faço de novo o convite para me acompanharem nessa viagem, onde podemos moldar nossos sonhos a qualquer momento, e quem sabe criar uma escadaria para o outro lado do abismo, em algum lugar além do arco-íris. Porque, como diz a música, "é lá que nossos sonhos se realizam". Até lá sigo explorando o abismo, atrás de outra escadaria, porque sua existência só depende de mim. Mas tem vezes que o melhor a fazer é encarar o abismo, nem que seja para procurar uma saída da escuridão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Rafinha, todos somos solitários, mas a união de solidões torna a vida mais facil. Para nos sentirmos inteiro temos que contar com outros solitários e aceitar dentro de nós a ambiguidade, o bom e o mau dentro de ti, assim ficas inteiro e para sempre contigo mesmo. Estou sempre junto da tua alma. Bjs

Diário De Um Dedinho disse...

“Aonde fica a saída?", Perguntou Alice ao gato que ria.
”Depende”, respondeu o gato.
”De quê?”, replicou Alice;
”Depende de para onde você quer ir...”

(Alice no País das Maravilhas)
Lewis Carroll


"Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída."
Clarice Lispector