Estou em pé diante de uma bifurcação e não sei por qual caminho seguir. Também não lembro como cheguei nela, simplesmente fechei os olhos no abismo, que me envolvia cada vez mais em sua névoa intoxicante, aquela que atrapalhava meu sono, e quando dei por mim estava nessa encruzilhada. Só que nenhum demônio vai aparecer para propôr um acordo em troca da minha alma. Mas também não sei se eu aceitaria, afinal minha alma é a única coisa que me faz seguir em frente ultimamente, porque estou com o corpo cansado e a mente entorpecida. Eu olho a encruzilhada com os olhos chapados e o coração batendo acelerado, sem nem um pingo de controle sobre mim, totalmente vulnerável. Estou no ponto que mesmo a brisa mais fraca pode me derrubar, qualquer coisinha errada seria como um empurrão num sujeito na corda bamba, e não tenho certeza se há uma rede de segurança embaixo. Eu procuro por rostos conhecidos e só enxergo vultos distorcidos, espectros de dois mundos diferentes entrando em colapso, o antes e o depois. Nada é familar, nada é seguro, e quando dou por mim me vejo na Estrada do Trovão, talvez no começo dela, diante de uma escolha. Não é noite nem dia, mas o céu está escurecido, tapado por um nevóa negra que mais parece fumaça, e vez ou outra, quando eu pisco com força, consigo ver aquela estrada como era antigamente, verdejante e pulsando vida. Porém, agora é um campo sem vida, coberto de fuligem. Eu olho para trás, tentando buscar algum incentivo para seguir em frente, então enxergo a cadeia de montanhas de onde escapei, sem nem saber como fiz isso. No topo dela eu vejo um castelo desmoronado e sou tomado pela súbita compreensão que ali era onde eu deveria reinar, que era esse meu destino, mas não cheguei nele a tempo. Era todo um mundo criado por mim, onde eu viveria em paz ao lado de uma rainha, cercado de crianças e súditos. Campos verdes por todo lado e um sol brilhando ininterruptamente. Mas nunca cheguei a ver a coroa. Agora sou o rei das ruínas, lorde da escuridão, e eu carrego toda essa destruição nas costas, não importa onde eu vá. Estou segurando minha esposa morta nos braços, vejo os corpos dos meus filhos estendidos no chão, soterrados nos escombros. Eu sei que estou em pé diante da Estrada do Trovão, como sempre estive, mas sou assombrado pelo meu fracasso, que tem tanto a ver com a minha soberba. Aqui não existem reis e rainhas. Aqui os sinos não tocam e os passáros não cantam. Estou por conta própria, dando meus primeiros passos, porque não existe outro jeito de aprender a caminhar. Eu sigo sozinho até o limite da encruzilhada, não sei se por destino ou escolha, e no fim de tudo talvez os dois caminhos acabem dando no mesmo lugar. Ou se tornem um só, quando eu sair do luto. Por hora eu não vou mais avançar, antes preciso enterrar minha esposa e meus filhos e dar adeus ao meu reino, o trono de mentiras. Meu império de sujeira. Quem diria que eu estava preso no calabouço do meu próprio castelo arruinado?
quarta-feira, 9 de março de 2011
sexta-feira, 4 de março de 2011
Coração de pedra
Estou mais acordado do que nunca agora que voltei a dormir. Quando fecho os olhos e estou no limiar dos sonhos, com a mente vazia e totalmente sozinho, eu volto à minha infância. Não em forma de pensamento, mas em sentimento, porque eu consigo lembrar de como é ser livre. De quando eu saía mato adentro, procurando não sei bem o que, talvez eu mesmo, como eu faço agora na floresta de pedra. Então eu percebo que não posso culpar ninguém pela minha solidão, porque desde pequeno sempre tentei buscar meu próprio caminho, sem depender de ninguém. É o que eu faço agora depois de passar muito tempo no calabouço. E não é como se eu fosse encontrar isso em algo ou alguém, essa é uma armadilha na qual todos caem, inclusive eu. Não, eu estou falando em vivenciar coisas diferentes, fora do meu núcleo de valores, o que de certa forma significa conhecer o mundo. Porém, isso não depende da distância que eu percorro, afinal, estou falando de algo dentro de mim, que poderia encontrar até sem sair de casa. Só que não adianta dar a cara a bater sem sair da zona de conforto, onde outros tomam a decisão por nós, e nós, tentando ser utéis, acabamos confundindo o caminho deles com o nosso, quando nem sempre é o caso. Essa pressão sempre vai existir, porque ela existe em todo lugar, seja em casa ou no trabalho. A verdade é que os olhos nunca estiveram sobre mim, mas agora que estão eu sinto essa pressão com o dobro da força, e de certa forma eu quero preencher aquele vazio que ficou, negando a mim mesmo no processo. Porque ainda existe aquele garotinho que mesmo assustado se perde mato adentro, fugindo de qualquer expectativa, sozinho no mundo. O que não é algo ruim, porque nada nem ninguém vai salvá-lo enquanto ele não aprender a conviver com a solidão, como um peregrino em busca de terras intocadas pelo homem. Só que para tanto é necessário desenvolver um coração de pedra, que conserve o calor dentro de si independente do contato humano, porque assim o garotinho pode finalmente virar homem. Um indivíduo capaz de prover a si mesmo sem depender de ninguém. Essa é a liberdade que eu sempre busquei, por mais dolorosa e difícil que ela seja, independente do que e de quem eu precisar abrir mão. Não existe outra escolha nessa altura do jogo. Meu único consolo é que um dia ele vai estar lá, no topo da montanha, sem medo. Pelo menos é a última imagem que me vem à cabeça antes de eu finalmente conseguir dormir.
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